Por vários anos, subsistiu um nível muito baixo de recuperação de activos desviados pela prática de crimes de corrupção e conexos em Moçambique, principalmente os de natureza económico-financeira. Num passado recente, a Procuradoria-Geral da República, de forma sistemática, vinha reclamando a necessidade de ser elaborada e aprovada uma lei para tornar mais efectivo o processo de recuperação de activos. Em 2021 a lei em causa foi aprovada pela Assembleia da República (Lei n.° 13/2020, de 23 de Dezembro – Lei de Perda Alargada de Bens, Recuperação e Gestão de Activos a Favor do Estado). Deste modo, o instrumento jurídico específico, que era reclamado e cuja falta servia para justificar o muito baixo nível de recuperação de activos, já existe e está em vigor.
Este passo importantíssimo no combate à corrupção retira a desculpa para inviabilizar o incremento do volume de recuperação de activos ilicitamente desviados dos cofres públicos. É que, modernamente, para que o combate à corrupção seja eficaz, é necessário que os agentes deste tipo legal de crime e infracções conexas sejam privados do produto ou vantagem de que directa ou indirectamente, se tenham beneficiado, bem como dos seus frutos, o que pressupõe um regime jurídico eficaz de recuperação de activos.
A par da existência de uma lei específica, é importante que sejam aprimorados os mecanismos de investigação visando tornar o processo de recuperação de activos eficaz. Pelo que, se a investigação visando punir os agentes do crime e recuperar os activos ilicitamente desviados apresentar fragilidades, a lei em causa transformar-se-á num mero instrumento decorativo na paisagem jurídica moçambicana.
Neste sentido, a criação dos dois gabinetes especializados, designadamente: um para fazer a recuperação de activos e outro para fazer a sua gestão; constitui outro passo importantíssimo para conferir eficácia ao amplo e complexo processo referente à identificação, à apreensão, ao confisco e ao encaminhamento dos bens ao gabinete responsável pela sua administração/gestão.
Neste sentido, é fundamental que estes dois gabinetes sejam compostos por especialistas/peritos em diversas áreas, para que, em termos práticos, possam ser obtidos resultados satisfatórios e que contribuam para dissuadir potenciais agentes dos crimes de corrupção e conexos de se envolverem na sua prática. Uma eficiente e eficaz recuperação de activos também serviria para mostrar aos agentes dos crimes que a sua prática não compensa, atendendo que a par da recuperação de activos, os mesmos devem ser privados de liberdade.
O Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), através do seu porta-voz informou que o crime de desvio de fundos públicos, causou grande prejuízo em 2020, por causa da fragilidade das infraestruturas sociais, agudizada pelo contexto da Covid–19, fazendo com que no ano em causa, o Estado fosse lesado em cerca de 1. 3 bilião de Meticais. Não há dúvida que as acções, principalmente do Gabinete de Recuperação de activos, mostram- se cruciais para reduzir o “gap”entre os valores desviados e os efectivamente recuperados1. Do valor desviado, não foi referido o montante que terá sido recuperado.
Neste sentido, é importante referir que 2021 será um ano decisivo para testar se o baixo nível de recuperação de activos era originado pela falta de uma lei específica para o efeito, ou se existem outras razões que justificam o fracasso até agora observado. Cabe ao Governo criar as condições necessárias para que os dois gabinetes acima referidos funcionem de forma adequada.
Alea Jacta Est, ou seja, os dados estão lançados. Agora é necessário quesejamproduzidosresultadosqueconfirmem,atéagora,teoria de que a falta de uma lei específica de recuperação de activos é que constituía o principal entrave ao reduzido número de bens e activos recuperados.
P.S – Especial atenção no processo conducente à recuperação de activos deverá ser conferida ao crime de branqueamento de capitais, atendendo que os bens desviados acabam sendo lavados, muitas vezes até no estrangeiro, o que vai exigir deste gabinete o recurso aos princípios e procedimentos da cooperação jurídica e judiciária internacional em matéria penal, já previstos na Lei n.° 21/2019, de 11 de Novembro.