Quando no dia 5 Abril de 2016 o Wall Street Journal trouxe a público o escândalo que hoje denominamos de “dívidas ocultas”, além da incredulidade geral que teve por parte da sociedade moçambicana, não se acreditava que algum dia este caso iria ser julgado.
À medida que se foram conhecendo os contornos do caso e as ligações políticas dos diversos implicados, a descrença foi aumentando de forma generalizada.
Não era para menos. Afinal de contas, tratava-se do maior escândalo de corrupção da história de Moçambique, onde um grupo de moçambicanos que exercia o poder ou tinha ligações próximas ao círculo do poder vigente na altura da contratação destas dívidas, aliado a empresários baseados no Médio Oriente e com acesso a banqueiros europeus, conspiraram para endividar fraudulentamente uma nação, deixando o país com uma dívida oculta, corrupta e odiosa de 2 biliões de dólares americanos (nos cálculos do Centro de Integridade Pública (CIP) e do Chr. Michelsen Institute (CMI), já custou à economia moçambicana mais de 11 biliões de dólares americanos).
Com todo este cenário negativo, o CIP foi um dos poucos actores da sociedade civil que se recusou a desistir do caso, fazendo pesquisa e advocacia para que este, tal como outros casos de corrupção que o país já experimentou, não morresse.
Ao longo dos últimos 5 anos, o CIP pesquisou, documentou e construiu um acervo único sobre o caso nas diferentes jurisdições onde ele está a decorrer judicialmente. Organizou campanhas de advocacia, tal como a famosa campanha EU NÃO PAGO que se tornou viral nas redes sociais, pressionando o poder público a tomar acções enérgicas que visassem a solução do caso. A campanha resultou em ameaças à integridade física dos seus colaboradores e no cerco policial aos seus escritórios. Ainda assim, o CIP não desistiu.
Nestes 5 anos, o CIP tornou-se numa das principais fontes de informação sobre o que estava a acontecer com os outros actores deste enredo que não se encontravam em Moçambique. Em tempo real, e de forma simples, inovativa e criativa, o CIP informou sobre o desenrolar das audiências do antigo ministro das Finanças Manuel Chang, no tribunal de Kempton Park em Johannesburg. Com dois telemóveis, um laptop (Borges Nhamire, em Johannesburg, Edson Cortez, na edição nos escritórios do CIP com o apoio de Liliana Mangove no layout e outreach) e uma rede social, no caso concreto o FACEBOOK, mostraram aos moçambicanos que a informação não se recebe somente nos circuitos tradicionais e no horário nobre, mas sim acede-se a qualquer hora e momento e no seu telemóvel. Este caso exigia isso.
O CIP foi a Nova Iorque e cobriu o julgamento de Jean Boustani usando a mesma simplicidade de informar e trazer em tempo real as incidências do que acontecia. No julgamento de Boustani, inovamos adquirindo os documentos produzidos em sede do tribunal, de modo a apresentarmos sólidas evidências do que ali era dito. Mais uma vez, essa ousadia teve custos para organização e para todos aqueles que estavam directamente envolvidos nesta empreitada.
As ameaças, calúnias e campanhas de difamação durante esse processo não foram motivo suficientes para que o CIP se desviasse do seu principal objectivo: pressionar os poderes públicos, e sobretudo o judiciário, para que este caso não fosse esquecido. E, de modo a colaborar com as entidades públicas, mais concretamente com a Procuradoria Geral da República (PGR), o CIP adquiriu todos os documentos apresentados em sede de julgamento de Jean Boustani, partilhando-os com a PGR, como forma de auxiliar nas investigações.
As dívidas ocultas tiveram efeitos devastadores sobre a economia nacional. Isso ficou provado num documento que o CIP publicou no dia 27 de Maio do corrente ano, o qual apresenta os custos das “dívidas ocultas”, escândalo que de 2016 a 2019 custou à economia moçambicana mais de 11 biliões de dólares americanos. Parte da defesa dos advogados da República de Moçambique nos processos que correm na Suíça e no Reino Unido, citou este relatório como uma prova clara e inequívoca de que Moçambique e os moçambicanos foram lesados e devem ser compensados.
Hoje, 23 de Agosto de 2021, o CIP lembra o seu papel e contribuição para que este caso chegasse a julgamento, tendo a plena noção que não foi o único actor a influenciar para que isso acontecesse, mas evidenciando que teve um papel chave e determinante para que os implicados neste caso respondessem em julgamento.